Texto escrito por Valter Xavier para o Correio Braziliense
De repente, “não mais que de repente” como disse o poeta, aparece solução mágica para estancar a violência: reduzir a idade a partir da qual se responde criminalmente pelos atos praticados. E, pensando na vítima e no sofrimento dos familiares, amigos e colegas, além da crueldade de certos fatos noticiados pela mídia, automática indignação nos inclina a apoiar a ideia.
Entretanto, refletindo com racionalidade, cabe a pergunta: e o dia seguinte? Reduz-se a maioridade e a criminalidade diminui? Esses maiores por decreto vão ser presos, ou farão parte da multidão de condenados pela Justiça que aguarda vaga nos presídios? E, se presos, iremos colocá-los junto dos mais experientes e doutorá-los em criminalidade? Ou teríamos condições de lhes dar algum tratamento diferenciado, com vistas a recuperá-los para o sadio convívio social?
Ah!, talvez essa última indagação traga perplexidade. Esquece-se que os povos civilizados aboliram a prisão perpétua e a pena de morte. E fica esquecido, também, o fato de que a obrigação deveria ser construir prisões de reeducação máxima, por que a criminalidade, salvo raros casos isolados, costuma ser diretamente proporcional à falta de escolaridade ou de emprego.
A meu sentir, antes de se debater a redução da maioridade penal para o tratamento da insegurança pública, dever-se-ia examinar como esses jovens caíram nas malhas do crime. As crianças nascem puras e sem qualquer maldade, essa é a regra. Os adolescentes vivem uma fase de transição, muitos confundindo realidade, sonho e fantasia; e isso é normal. Colocar adolescentes e crianças atrás das grades, e tratá-los qual animais, é confissão de falha imperdoável com os que trouxemos ao mundo, pois nem conseguimos passar aos que ficam os princípios e valores dos que foram e nos permitiram chegar até aqui. Queríamos mudar o mundo, e brigamos e evoluímos muito, ninguém pode negar.
Mas, se mudamos o mundo para melhor, por que tratar crianças e adolescentes pior do que fomos tratados?
Lugar de criança é na escola, diz a propaganda. Lugar de adolescente é na universidade ou em cursos profissionalizantes. Para que, ao atingir a idade adulta, o cidadão distinga o certo do errado e não precise violar o direito alheio para sobreviver. Colocar criança ou adolescente na cadeia mais parece vingança contra quem, quase sempre, não tem a mínima consciência do que fez – por que desconhece o que seja respeito e dignidade, ou, não raro, escrever o próprio nome e uma frase correta no idioma de sua pátria. E soa como a tentativa de se procurar obter, da soma de vários e inúmeros erros, um acerto, o que contraria as ditatoriais leis da matemática.
*Correio Braziliense
Brasília, segunda-feira, 30 de abril de 2007
Caderno – Direito & Justiça
Valter Xavier
Desembargador do Tribunal de Justiça do DF, presidente do Instituto dos Magistrados do Distrito Federal