MPF defende inconstitucionalidade de normas que limitam ingresso de mulheres nas Forças Armadas

Ações propostas também pedem que STF suspenda o mais rápido possível os dispositivos apontados como inconstitucionais

O Ministério Público Federal (MPF) propôs três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) contra trechos de leis que limitam o acesso das mulheres a alguns cargos no Exército, na Marinha e na Aeronáutica. O objetivo é assegurar que o acesso às vagas nas Forças Armadas seja igualitário para homens e mulheres, sem qualquer discriminação de gênero, conforme assegura a Constituição Federal, garantindo que até 100% das vagas disponíveis nos concursos de recrutamento estejam acessíveis às mulheres. As ações foram propostas ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta–feira (27).

Os direitos violados incluem o princípio de igualdade de gênero, que proíbe a discriminação com base no sexo, a proteção dos direitos das mulheres no mercado de trabalho e a proibição de discriminação no acesso a empregos públicos, todos amparados pela Constituição Federal.

Entre as restrições estabelecidas pelas normas violadoras está a reserva de percentuais ínfimos de vagas nos editais dos concursos. Como exemplo, o MPF cita os editais dos concursos da Escola Preparatória de Cadetes do Exército de 2016, 2017, 2020, 2021, 2022 e 2023 que destinaram 40 vagas para candidatas do sexo feminino, do montante total de 440 ofertadas nos certames, o que representa a reserva de apenas 9,09% para mulheres e 90,91% para homens.

Na Aeronáutica, os editais das seleções públicas para oficiais de infantaria da Academia da Força Aérea têm destinado 100% das vagas ofertadas para candidatos do sexo masculino. Na Marinha, pela primeira vez, mulheres puderam se inscrever no concurso de admissão ao Curso de Formação de Soldados Fuzileiros Navais de 2024. No entanto, a quantidade de vagas para elas foi muito limitada. Do total de 1680 oferecidas, só puderam se candidatar a 240, representando apenas 14,28% do total, com 85,71% das vagas destinadas aos homens.

As ações – Nas ações propostas, a procuradora-geral da República, Elizeta Ramos, ressalta que uma vez que a Constituição Federal estabelece o dever do Estado de promover a inclusão e conceder tratamento favorável às mulheres que buscam cargos públicos em concursos, qualquer norma que imponha restrições, proibições ou obstáculos a esse direito fundamental é considerada uma violação flagrante da Constituição. Portanto, não há base legal para oferecer tratamento desigual e prejudicial às mulheres nesse contexto.

A PGR também reforça que os dispositivos legais questionados, ao proporcionarem base legal para a exclusão de mulheres de cargos no Exército, Marinha e Aeronáutica, em favor injustificado de candidatos do sexo masculino, acabam por apoiar a concessão de privilégios aos homens, resultando simultaneamente em prejuízo, preconceito e discriminação contra as mulheres.

Urgência – As ADIs também incluem pedido para que o Supremo conceda medida cautelar, suspendendo os efeitos dos dispositivos legais questionados e os efeitos de interpretação desses dispositivos que possibilitem a reserva de determinadas vagas exclusivamente para candidatos do sexo masculino nas três entidades que compõem as Forças Armadas. O requerimento de urgência é motivado pela possibilidade real de prejudicar as pessoas interessadas em concorrer aos cargos.

“Se o objetivo é a proteção das mulheres, essa tutela há de se proceder da forma mais ampla e rápida em benefício a todas elas, sem qualquer discriminação ou preconceito”, aponta a procuradora-geral da República.

Exército – No âmbito do Exército, o dispositivo questionado é o artigo 7º da Lei 12.705/2012. Esse artigo estabelece que, dentro de até 5 anos a partir da data da publicação da lei, será permitido que candidatas do sexo feminino ingressem na linha militar bélica de ensino. Embora tenha aberto a possibilidade de mulheres se inscreverem nos cursos de formação de oficiais e sargentos de carreira do Exército, o artigo deixa em aberto a exclusividade masculina em algumas áreas militares, já que, ao mencionar a permissão para linhas militares bélicas de ensino para candidatas do sexo feminino, isso implica que outras linhas de ensino não estarão acessíveis a mulheres. Isso dá ao Exército a autoridade para determinar quais linhas de ensino serão abertas às candidatas do sexo feminino e quais permanecerão exclusivas para os homens, aponta o MPF.

Aeronáutica – No contexto da Aeronáutica, a violação constitucional ocorre no artigo 20, inciso XVIII e parágrafos 1º e 2º, da Lei 12.464/2011, que enumera os requisitos necessários para ingresso e habilitação à matrícula nos cursos ou estágios destinados à formação ou à adaptação de oficiais e de praças, da ativa e da reserva da referida Força. O MPF aponta que as disposições contestadas nessa lei fornecem uma base legal para que atos administrativos e editais de seleções públicas possam impedir que mulheres se candidatem a certos cargos na Aeronáutica, sob o pretexto inadequado de que os cursos de formação e as responsabilidades associadas a esses cargos exigiriam habilidades, atributos e desempenho físico que supostamente apenas candidatos do sexo masculino poderiam cumprir. Essas normas acabam por respaldar a concessão de privilégios aos homens, argumenta o órgão ministerial.

Marinha – Na esfera da Marinha, o dispositivo legal cuja inconstitucionalidade é apontada pelo MPF é o artigo 9º, parágrafo 1º, incisos I e II, da Lei 9.519/1997, que dispõe sobre a reestruturação dos Corpos e Quadros de Oficiais e de Praças da Marinha, com redação dada pela Lei 13.541/2017. Esse dispositivo permite que o Poder Executivo decida unilateralmente quais escolas de formação, cursos, treinamentos e quantidades de cargos na Marinha do Brasil serão destinados a homens e mulheres. Para o MPF, isso cria uma base legal para restringir o acesso das candidatas do sexo feminino a todas ou a qualquer parte das vagas disponíveis nos concursos públicos correspondentes. Na prática, essa regra autoriza que decisões administrativas coloquem sérias restrições à participação das mulheres em concursos públicos para ingresso na Marinha, direcionando a esmagadora maioria dessas vagas para candidatos do sexo masculino, indica o MPF.

ADIs contra leis estaduais – Antes das três ações diretas de inconstitucionalidade propostas contra trechos de leis que restringem a participação das mulheres nas Forças Armadas, o Ministério Público Federal havia apresentado ações ao Supremo Tribunal Federal, visando impugnar dispositivos que violam os direitos das mulheres em 14 estados brasileiros. Essas leis estaduais estabelecem limites máximos para a presença de mulheres nos quadros da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar. As 14 ADIs foram protocoladas em 11 de outubro deste ano.

Parecer – A procuradora-geral da República também emitiu um parecer defendendo a inconstitucionalidade de uma previsão semelhante, que trata do contingente de policiais militares femininas no Distrito Federal. Neste caso específico, a solicitação inicial foi feita pelo Partido dos Trabalhadores (PT). A ação questiona o artigo 4º da Lei 9.713/98, que estabelece um limite máximo de 10% para a presença de mulheres nas forças policiais locais.

Em todas as ações e posicionamentos da Procuradoria-Geral da República nesses casos, o objetivo é assegurar que as mulheres não enfrentem obstáculos para concorrer às vagas oferecidas por essas corporações para novos integrantes.

Fonte: MPF
Foto: © Valter Campanato/Agência Brasil

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