Equilíbrio fiscal com gastos de qualidade protege direitos da população

O segundo painel do terceiro e último dia do XI Fórum Jurídico de Lisboa, nesta quarta-feira (28/6), teve o tema “Contas Públicas e Equilíbrio Fiscal”. Vitalino Canas, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e moderador do debate, abriu as discussões apontando que, nos últimos tempos, a ideia de reforma do sistema fiscal vem substituindo a reforma política como principal prioridade e preocupação dos governos e do debate público.

Mesmo assim, ele indicou que os sistemas político e fiscal andam muito próximos: “Não é possível fazer uma boa reforma do sistema fiscal sem que ela seja enquadrada por um bom sistema político”. Como exemplo, ele citou os países nórdicos, o Canadá e a Nova Zelândia — lugares que têm altos índices de democracia e transparência e, ao mesmo tempo, sistemas fiscais amplamente cumpridos pelos cidadãos, mesmo quando a carga de impostos é elevada.

Para Canas, um bom sistema fiscal “é aquele que é suficientemente robusto para sustentar a despesa do Estado e, ao mesmo tempo, justo, equilibrado e aceito pelos cidadãos como algo que não beneficia uns em detrimento de outros, pois se baseia na capacidade contributiva”.

Responsabilidade e qualidade
O ministro Antonio Anastasia, do Tribunal de Contas da União, afirmou que o equilíbrio fiscal “não é uma característica humana” — pois “ao longo da evolução das sociedades estatais”, os governantes “sempre tiveram um grande apreço pelo déficit” e “o poder público sempre gastou muito mais do que arrecadou”. Ele defendeu a mudança desse quadro.

Na visão do ministro, “um bom estadista é aquele que consegue, sem perder a sensibilidade política, dar guarida aos anseios da sua sociedade, realizando os interesses públicos sem levar a uma falência ou bancarrota do poder público”.

Segundo Anastasia, a grande dificuldade para o equilíbrio fiscal é a qualidade do gasto público: “A questão não é quanto se gasta, mas como se gasta”. Ou seja, pensar somente no cumprimento da regra fiscal, “custe o que custar”, pode lesar interesses públicos e fragilizar a integridade dos serviços. “Não podemos ficar escravos e reféns exclusivamente da visão financeira de um equilíbrio frio e de cortes burros”, concluiu ele.

O desembargador Marcus Abraham, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, seguiu a mesma linha: “De nada adianta termos um conjunto de normas para uma gestão pública com responsabilidade fiscal e a defendermos ferrenhamente se tal virtude não se converter em responsabilidade social”.

Para ele, “toda despesa deve possuir uma receita para financiá-la, a fim de evitar o surgimento de déficits orçamentários crescentes ou descontrolados, que possam prejudicar as contas públicas presentes e futuras”. Sem equilíbrio fiscal e sustentabilidade financeira, “os recursos que iriam garantir os direitos fundamentais acabam direcionados para o pagamento da dívida”.

Mas, segundo Abraham, isso não significa que o equilíbrio fiscal é “uma equação matemática rígida, em que a diferença numérica entre receitas e despesas deva ser sempre igual a zero”. Na verdade, essa equação deve conter “valores estáveis e equilibrados, para permitir a identificação de recursos necessários à realização dos gastos”.

Da mesma forma, a economista Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente do Senado, ressaltou que o equilíbrio das contas públicas não se restringe à regra fiscal. Ela é apenas “um dos pilares da governança”, que busca “reduzir o viés deficitário da política fiscal”.

Desafios para as contas
Vilma explicou que a proposta do arcabouço fiscal, em trâmite no Congresso, tem o objetivo principal de “trazer uma regra fiscal um pouco mais flexível, em função dos reflexos e das mudanças que essas regras tiveram no período pós-pandemia” — movimento que também aconteceu na Europa.

Ela também destacou um ponto do projeto: a inserção de um inciso sobre o marco fiscal de médio prazo, medida que se alinha aos moldes de diversos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Brasil, atualmente há a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que fixa somente uma meta para o ano seguinte e projeções para dois anos à frente.

Já André Esteves, presidente do conselho de administração do banco BTG Pactual, falou sobre o “caráter intertemporal” das contas fiscais. Ele explicou que, quando há um déficit em determinado momento, cria-se uma oneração para as próximas gerações. “No futuro, os impostos terão de subir, as políticas sociais terão de diminuir e o suporte da sociedade feito pelo Estado terá de ser reduzido para poder corrigir aquela irresponsabilidade”.

Ainda segundo Esteves, o equilíbrio fiscal não é ideológico. Ele lembrou que o Brasil foi gradualmente resolvendo seus problemas fiscais desde a década de 1990, por meio do controle da inflação, do equilíbrio das contas externas e do estabelecimento de regras fiscais. “Essa conquista não pertence a nenhum grupo político. É uma conquista da sociedade.”

Por fim, o ex-governador do Acre e ex-senador Jorge Viana destacou dois desafios para as contas públicas no futuro. Um deles é a demografia mundial. As projeções mostram que o continente africano terá metade da população do planeta no final do século, enquanto Ásia, Europa e América do Norte perderão espaço com o envelhecimento de seus habitantes. Segundo ele, isso mudará radicalmente o custo das políticas públicas.

Outro desafio diz respeito às mudanças climáticas, que são muito caras para o Estado. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), cada US$ 1 investido na prevenção substitui US$ 7 gastos na reparação dos eventos climáticos. As emissões de CO2 “levaram a uma alteração do clima, que mexe nas contas públicas”.

Na visão de Viana — que atualmente é presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) —, o país tem condições favoráveis para superar tais desafios, como a capacidade de “trabalhar bem a produção de alimentos”, de “fazer transição energética” e de enfrentar as mudanças climáticas “tendo a maior floresta tropical do planeta”.

O evento
Esta edição do Fórum Jurídico de Lisboa tem como mote principal “Governança e Constitucionalismo Digital”. O evento é organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP) e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento (CIAPJ/FGV) 

Ao longo de três dias, a programação conta com 12 painéis e 22 mesas de discussão sobre temas da maior relevância para os estudos atuais do Direito — entre eles debates sobre mudanças climáticas, desafios da inteligência artificial, eficácia da recuperação judicial no Brasil e meios alternativos de resolução de conflitos.

Via Conjur

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